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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital de Santo Estaço


Encontramos pouca e vaga informação sobre este hospital; enquanto um autor refere que não se lhe conhecia a localização,[1] outro situa-o na Praça dos Escravos.[2] A sua fundação, cerca de 1389, deve-se a Pero Esteves e sua mulher Clara Afonso, que determinaram “que nem rei nem prícipe, nem arcebispo ou bispo, tivessem nada que ver com o estabelecimento pio que eles ordenavam”. Em 1489, não existindo descendentes dos fundadores, interveio D. Afonso V nomeando um administrador, “contanto que ele cumpra o compromisso do dito hospital assim e pela guisa que o ordenaram os sobreditos defuntos em seu testamento”. Desconhecemos toda a sua história posterior ou a data da sua extinção.

Sabemos da existência de um Pero Esteves, apelidado o Barbadão, que foi progenitor de uma dama chamada Inês, amante de João I e mais tarde comendadeira do convento de Santos. Desta relação nasceu D. Afonso, o qual casou com D. Beatriz, filha de D. Nuno Álvares Pereira, donde procede a Casa de Bragança.[3] Não poderemos, no entanto, afirmar que se trata da pessoa que fundou o hospital, por carência de documentos comprovativos.



- Hôpital de Saint Estácio:
Nous avons trouvé peu d'information sur cet hôpital ; ainsi qu'un auteur a déclaré qu'il ne connaissait pas son emplacement, l'autre le situe sur la Praça dos Escravos (Place des Esclaves). Sa fondation, autour de 1389, se doit à Pero Esteves  et à sa femme Clara Afonso, qui ont déterminé « que ni roi ni prince ou archevêque ou évêque, n'avait rien à voir avec la mise en place de l’établissement qu'ils avaient commandé. » En 1489, il n'y avait pas de descendants des fondateurs, et le roi Afonso V a nommé un administrateur, «tant qu'il répond à l'engagement déclaré de l'hôpital et au désir que le testament avait ordonné." Nous ne savons pas plus de son histoire ou à la date de sa extinction.

Nous savons de la existence d’un Pero Esteves, surnommé le Barbadão, qui était père d'une dame qui s'appelle Agnès, amant de Jean Ier et plus tard supérieure du couvent de Santos (Saints). De cette relation est née Afonso, qui a épousé Béatrice, la fille de Nuno Álvares Pereira, de qui procédé le titre de Bragança. Nous ne pouvons pas, cependant, affirmer que c'est la personne qui a fondé l'hôpital, pour faute de documents.

- Saint Estácio Hospital:
We found little information and vague information about this hospital; while one author stated that he did not know the location, another tells that is located in the Praça dos escravos (Slaves’ Square). Its foundation, around 1389, was due to Pero Esteves and his wife Clara Afonso, which determined "that neither king nor prince or archbishop or bishop, had nothing to do with the pious establishment they ordered." In 1489, as there are no descendants of the founders, intervened King Afonso V, appointing an administrator, "as long as he meets the stated commitment of the hospital like the deceased founders said in their will." We do not know more about its history or the later date of their extinction.

We know a man named Pero Esteves, dubbed the Barbadão, who was progenitor of a lady called Agnes, lover of King John I and later a Santos (Saints) convent superior nun. Of this relationship was born Afonso, who married Beatrice, the daughter of Nuno Álvares Pereira, whence the House of Braganza. We cannot, however, assert that it is the same person who founded the hospital, for lack of documents.


[1] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 12
[2] Mário Carmona, O Hospital Real de Todos-os-Santos da Cidade de Lisboa, 1954, p. 153

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital de campanha durante o cerco de Lisboa de 1384


Em Maio de 1384 chega a Lisboa a frota do rei D. João de Castela, tendo como objectivo cercar a cidade; desembarcadas as tropas, montaram arraial junto ao mosteiro de Santos (no qual o próprio rei se hospedou), ocupando o território até Alcântara e Campolide; pelo lado do rio, as embarcações montaram cerco desde Cataquefarás até à Porta da Cruz. O Mestre de Avis entendeu então fazer a defesa da cidade ao longo de toda a extensão da sua muralha, tendo encerrado as portas, as quais só eram abertas durante o dia; a guarda dos muros foi repartida por fidalgos e cidadãos honrados, que tinham sob o seu comando besteiros e homens de armas, formando quadrilhas.
Junto à porta de Santa Catarina foi então montado um verdadeiro hospital, tal como nos relata primorosamente Fernão Lopes: “Acerca da porta de Santa Caterina, da parte do arreal per onde mais acostumávom sair à escaramuça, estava sempre uma casa prestes, com camas, e ovos, e estopas, e lençóis velhos pera romper, e celorgião, e triaga, e outras necessárias cousas pera pensamento dos feridos, quando tornávom das escaramuças.”[1]
Poderemos considerar que se tratava de um verdadeiro hospital militar, com predomínio na área da cirurgia, como é habitual neste tipo de hospitais e onde se destacava a presença, aparentemente constante, de um cirurgião (celorgião), fármacos (triaga) e material de penso. Os ovos e a estopa eram usados numa mistura muito popular até ao século XVIII, denominada estopada, e dos lençóis velhos se faziam ligaduras para envolver as feridas.
Terá porventura sido o primeiro hospital de Lisboa com médico residente?

Hôpital de campagne pendant le siège de Lisbonne en 1384:
En mai de 1384 la flotte du roi Jean de Castille arrive à Lisbonne, dans le but d'encercler la ville ; on a fait débarquer les troupes, qui s’installent dans un campement près du monastère de Santos (où le roi lui-même a séjourné), occupant le territoire jusqu'à Alcantara et Campolide; du côté du fleuve, les bateaux ont assemblé un siège depuis Cataquefarás jusqu’à la Porta da Cruz (Porte de la Croix). Le Maître d'Avis (qui sera le futur roi Jean I) a compris alors de faire la défense de la ville sur toute la longueur du mur et a demandé de fermer les portes, qui étaient ouvertes uniquement pendant la journée; la garde des murs a été divisé par de nobles et honorables citoyens, qui avaient le commande de groupes de arbalétriers et d’hommes d'armes.
Près de la porte de Santa Catarina fût monté un vrai hôpital, à croire dans les mots de la chronique de Fernão Lopes: «Près des Portes de Santa Catarina, sur la place où étaient la plupart des gens d’armes et où l'escarmouche était plus fréquente, il y avait toujours une maison avec des lits, et d’œufs, et d’étoupière, des vieux draps de lit pour déchirer, avec un chirurgien et thériaque, de matériel de pansement et d'autres choses nécessaires pour traiter les blessés lors qu’ils arrivent de l’escarmouche.» [1]
Nous considérons qu'il s'agit d'un véritable hôpital militaire, principalement dans le domaine de la chirurgie, comme il est habituel dans ce type d'hôpitaux de guerre, où se détachait la présence, apparemment constante, d’un chirurgien, des médicaments (thériaque) et matériel de pansement. Les œufs et toile de étoupière étaient utilisés dans un mélange très populaire jusqu'au XVIIIe siècle, appelé estopada, et les vieux draps s’utilisaient pour faire bandages aux blessures.
Peut être que cet hôpital a été le premier hôpital de Lisbonne avec un médecin résident.

Field hospital during the siege of Lisbon in 1384:
In May 1384 the fleet of King John of Castile arrives at Lisbon, aiming to encircle the city; they landed troops, set up a camp near the monastery of Santos (in which the king himself stayed), occupying the territory between Alcantara and Campolide; by the river side, the boats surround the city from Cataquefarás to the Porta da Cruz (Cross door). The Master of Avis (future King John I) made the defense of the city along the entire length of the wall, and closed the city doors, which were open only during the day; the wall’s defense was shared by noblemen and honorable citizens, who had groups of cross-bowmen and soldiers under their command.
At the door of Santa Catarina was then mounted a real hospital, as reported in Fernão Lopes chronicle: "Near the Santa Catarina door, the local part where most of troops are and the skirmish occurs, was always a house with beds, and eggs, and oakum, and old sheets to be teared, and surgeon and theriac, dressing material and other necessary things to the wounded dress when they return of skirmishes." [1]
I consider that this was a true military hospital, predominantly in the area of surgery, as was usual in this type of war hospitals, and stood with the presence, apparently constant, of a surgeon, drugs (theriac) and dressing material. Eggs and oakum were used in a mixture very popular until the eighteenth century, called estopada, and old sheets were used to make bandages for wounds.
Perhaps it was been the first hospital in Lisbon with a resident doctor.




[1] Fernão Lopes, Primeira parte da Crónica de D. João I, vol III, 2ª ed., Lisboa, Livrarias Aillaud & Bertrand, 1922, p. 24-25

domingo, 14 de outubro de 2012

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital de Salomão Negro


Temos conhecimento de numerosos judeus no território do reino de Portugal desde antes da fundação da nacionalidade até ao século XV. Tendo a comunidade hebraica um importante papel na sociedade portuguesa, nomeadamente junto do rei, aconteceu que, por força do contrato de casamento de D. Manuel I com a filha dos Reis Católicos, foram os judeus obrigados à conversão ao cristianismo ou à expulsão de território nacional, em 1497. A comunidade judaica circulava livremente pelo território nacional mas estava sujeita a leis de apartamento, em que as habitações teriam de se concentrar num determinado local; no entanto, era livre de manter e praticar a sua religião e possuía magistratura própria para o julgamento dos seus crimes, sem que fosse esquecida a sua submissão às ordenações gerais do país. Obrigados a viver nas cidades apartados de cristãos e muçulmanos, os judeus habitavam nas diversas Judiarias de Lisboa. Inicialmente, as judiarias comunicavam livremente com o exterior, mas D. Pedro I decretou que fossem encerradas por portas, as quais se encerravam ao anoitecer, para serem novamente abertas ao nascer do sol. A Judiaria Velha ou Judiaria Grande de Lisboa localizava-se na freguesia da Madalena, num espaço limitado geograficamente pelas igrejas de S. Nicolau a oeste, Madalena a oriente, S. Julião a norte e rua Nova dos Mercadores a sul.[1] A comunidade judaica possuía escolas próprias, cultivando os estudos de Astrologia, Matemática, Geografia, Medicina e Cirurgia; tendo longa tradição no exercício da Medicina, vários médicos judeus progrediam com altos cargos na corte portuguesa. Talvez a família hebraica mais importante do reino fosse a família Ibn Yahya, com vários dos seus elementos exercendo o cargo de Rabi-mor de Portugal, por nomeação régia. Chegou-nos o conhecimento de muitos médicos importantes dessa família, nomeadamente Yahya ibn Ya’ish, “o Negro” (físico de D. Afonso Henriques), Moshe Gedaliah ibn Yahya ou Moisés Navarro de Santarém (físico de D. Pedro I), Gadaliah ibn Yachya ha-Zaken (físico-mor de D. Fernando), Yehudah ibn Menir ibn Yahya / Navarro (tesoureiro e físico de D. Pedro I e D. João I), Moshe Navarro, também conhecido por Mestre Moussem (físico de D. João I), Gedaliah ben Shlomo ibn Yahya ou Mestre Guedelha (físico e astrólogo de D. Duarte e D. Afonso V) e Abraham Guedelha ou Mestre Abram (físico-mor da princesa D. Beatriz, cunhada de D. Afonso V[2]).
No contexto das leis de apartamento, torna-se natural que a abastada comunidade judaica possuísse hospitais próprios, sendo que o local mais apropriado em Lisboa se situasse na Judiaria Grande; tomámos conhecimento de dois hospitais situados nesse bairro de judeus, sendo um deles hospital de banhos e o outro conhecido como Hospital de Salomão Negro. Este último encontrava-se localizado na Rua da Praça, ao Poço da Foteia, na área actualmente situada entre a Rua do Comércio e a Rua de S. Julião. Foi fundado por Shlomo ibn Yahya ben David, também conhecido como Salomão Guedelha ou Salomão Negro, judeu (1367-1430), que o legou, com mais bens, à comuna dos judeus.O hospital foi incorporado no Hospital de Todos-os-Santos[3]  cerca de 1503.


[1] João Silva de Sousa, Mouros e Judeus na Cidade de Lisboa nos séculos XIV e XV, http://triplov.com/letras/Joao_Sousa/mouros-e-judeus/index.htm
[2] Reuven Faingold, Judeus nas cortes Reais Portuguesas, www.reuvenfaingold.com/artigos/12.pdf
[3] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 11