Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital dos Ourives


Inicialmente eram os ourives da prata e do ouro considerados como um único mester, consignado na lei desde 1211, tendo sido determinado no século XIV que se estabelecessem na Rua da Ourivesaria. Já no reinado de D. Afonso V, um alvará de 1460 concede-lhe o privilégio de aferirem os pesos e balanças da cidade, como forma de suportarem as despesas do hospital. Foi apenas em 1514, no reinado de D. Manuel, que se ordena a separação dos ofícios do ouro e da prata, sendo os primeiros mudados para a Rua Nova d’El-rei, o que motiva a mudança de designação para Rua dos Ourives do Ouro, enquanto a permanência dos segundos no local inicial, modifica a toponímia da rua para Rua da Ourivesaria da Prata ou Rua dos Ourives da Prata.[1]
Existe alguma confusão bibliográfica acerca do Hospital dos Ourives. Enquanto alguns autores afirmam ter-se situado no Largo dos Lóios um hospital fundado em 1272, pertencente à Confraria de Santo Elói dos Ourives da Prata de Lisboa, não sendo certo que teria sido anexado ao Hospital de Todos-os-Santos,[2] outros situam-no na Rua do Arco do Rossio, incluída depois na Rua do Lagar do Sebo, freguesia de S. Nicolau e afirmam ter sido incorporado no Hospital Real.[3]


[1] Leonor Faria Calvão Borges, Directório Prático de José da Silva Gomes: leitura e edição – Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1996, p. 2, em http://dited.bn.pt/30237/1229/1647.pdf
[2] Leonor Faria Calvão Borges, Directório Prático de José da Silva Gomes: leitura e edição – Dissertação de mestrado em Paleografia e Diplomática, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1996, p. 1, em http://dited.bn.pt/30237/1229/1647.pdf
[3] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 10-11

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Gafaria de S. Lázaro


Provavelmente anterior à fundação da nacionalidade, sem que seja possível confirmação documental deste facto, já dela existe referência em 1220 (não documentada); documento certo é o testamento de Ousenda Leonardes datado de 1325, que contempla 20 soldos para os gafos de S. Lázaro[1]. Damião de Góis localiza, sem denominação própria, uma gafaria entre o campo de Santana e a Mouraria, perto de um campo de pastagem e da feira do gado.[2]
Ignora-se a responsabilidade da sua fundação. Presume-se que se situava no Poio de S. Lázaro, na encosta que subia da Mouraria para o Campo do Curral (mais tarde Campo de Santana); encontrando-se no exterior da muralha de D. Fernando, é possível que tenha recebido os gafos dos Mártires, quando esta gafaria foi abrangida por aquela terceira muralha de Lisboa.[3] A localização desta gafaria é, no entanto, algo controversa, uma vez que se confunde nos documentos com a dos Mártires, desconhecendo-se se existiram ambas ou se uma deu lugar à outra.[4]
Tinha um provedor ou vedor, eleito entre os vereadores por um período de um ano, ao qual competia guardar as chaves da arca das escrituras e a chave da arca dos ornamentos e outros objectos de valor, supervisionar as propriedades da Casa, averiguar as razões das contendas, escolher o pessoal doméstico, avaliar e fazer assentar os bens dos enfermos, constranger os doentes que se recusassem entrar na gafaria, executar sentenças e gerir esmolas; o provedor contava com a ajuda de um escrivão, que guardava a segunda chave da arca das escrituras, supervisionando também as propriedades; existia ainda um capelão que era escolhido e pago pela cidade, tendo as funções de dizer missa três vezes por semana.[5] Os rendimentos para o seu funcionamento provinham de propriedades doadas à gafaria e àquelas pertencentes aos gafos que nela faleciam, as quais revertiam para a Casa; sabe-se que possuía uma adega localizada junto à Portagem (perto da actual igreja da Conceição Velha);[6] segundo o regimento datado de 1460, cada morador de Lisboa e do seu termo deveria oferecer aos leprosos um real por ano, provindo assim ajuda para o respectivo sustento.[7]
Sabe-se que na Gafaria de S. Lázaro existia uma ermida ou igreja de S. Lázaro, um alpendre onde os gafos se reuniam com as pessoas de fora, um celeiro, a casa do provedor, casas para os doentes e casas para mancebas, exteriores à propriedade mas junto à porta (as mancebas não eram leprosas e responsabilizavam-se pelas tarefas domésticas da gafaria). As casas dos gafos, mandadas construir por D. Manuel em 1503, eram térreas, medindo 12 palmos por 15 e possuíam chaminé e alpendre. [8]

Continuou o seu funcionamento até 1551, encontrando-se referenciada no Sumário: “A Ermida de são Lázaro está na Freguesia de santa justa. Há nesta ermida três confrarias, ou seja, a de são Lázaro, a de santa Marta, e a de Nossa Senhora. Valem as esmolas delas sessenta cruzados. Nesta casa se curam e mantêm os gafos.”[9] A gafaria (?) vem ainda referida no tombo da cidade, referindo o ano de 1567 “...as quais casas foram encabeçadas pela cidade em Andre Anriquez recebedor dos orfãos de S. Lázaro...”.[10] Parece ter funcionado independente até finais do século XIX.[11]

Ignoro se a gafaria deu lugar ao denominado Hospital de São Lázaro ou se este último se trata de outra instituição fundada mais tardiamente, que se encontra referenciada como pertencente à freguesia de Santa Justa e como tendo sobrevivido ao grande terramoto.[12]



[1] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 76-77
[2] Damião de Góis, Descrição da Cidade de Lisboa, 2ª ed., Livros Horizonte, 2001, p. 44
[3] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 12
[4] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 79
[5] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 86
[6] Vieira da Silva, As Muralhas da Ribeira de Lisboa, 2ª ed., Vol. I, Câmara Municipal de Lisboa, 1940, p. 195
[7] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 91
[8] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 93
[9] Cristóvão Rodrigues de Oliveira, Lisboa em 1551 - Sumário (em que brevemente se contêm algumas coisas assim eclesiásticas como seculares que há na cidade de Lisboa), Livros Horizonte, 1987, p. 54
[10] Luis Lourenço, Livro Primeiro do Tombo das Propriedades foreiras à Câmara, Edição da Câmara Municipal de Lisboa, 1950, p. 292-193
[11] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 79
[12] Paróquias da Baixa-Chiado, Memórias de Uma Cidade Destruída, Alètheia Editores, 2005, p. 165

domingo, 10 de fevereiro de 2013

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital de Santa Maria da Pomba ou de São João de Braga


Estava situado na Rua da Regueira, na freguesia do Salvador, ao Chafariz dos Cavalos. Foi incorporado no Hospital de Todos-os-Santos.[1]

Existe uma referência a uma aquisição de umas herdades pelo Mosteiro de S. Vicente de Fora, vendidas por um D. Paio, Comendador do Hospital de S. João de Lisboa, em 1190, por 10 morabitinos e uma herdade;[2] ignoramos se este hospital seria o mesmo que o designado por de S. João de Braga ou se trataria de uma diferente instituição.


[1] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 10-11
[2] Carlos Guardado da Silva, O Mosteiro de S. Vicente de Fora – a comunidade regrante e o património rural (séculos XII-XIII), Edições Colibri, 2002, p. 158

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital dos Ganha-dinheiros


Associado aos jornaleiros e trabalhadores, localizava-se na Rua do Anjo, freguesia de São Nicolau (correspondendo actualmente ao cruzamento das Ruas do Ouro e da Conceição). Foi incorporado no Hospital de Todos-os-Santos.[1]. Parece ter terminado cerca de 1500 o seu funcionamento, uma vez que foi nessa data feito um aforamento da casa onde o hospital tinha funcionado.[2]


[1] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 10-11
[2] Mário Carmona, O Hospital Real de Todos-os-Santos da Cidade de Lisboa, 1954, p. 56

domingo, 3 de fevereiro de 2013

SANTOS-O-VELHO: Período Muçulmano


Tendo o início da conquista da Península Ibérica ocorrido em Julho de 711, é atribuído a Abd al Aziz a ocupação pacífica de Olisipo em 714.
Existem versões díspares sobre a tolerância muçulmana em relação aos cristãos; se, por um lado se nomeiam actos violentos contra a cristandade, afirma-se por outro que o povo muçulmano era aparentemente tolerante com os cristãos que viviam no território, denominados moçárabes. A verdade histórica não andará longe das duas hipóteses, sendo provável que existissem ambas as atitudes consoante a época ou os comportamentos individuais, ao longo das quatro centúrias de ocupação árabe de Lisboa. Atestando as atitudes de tolerância, assistimos à multiplicação de igrejas e mosteiros durante este período de ocupação, enquanto a atitude contrária nos é transmitida pelo cruzado inglês que participou na tomada de Lisboa ao lado de D. Afonso Henriques, ao referir que o templo dos três Mártires que existira durante o período visigótico na praia de Santos, foi arrasado pelos Mouros até aos alicerces, dele restando apenas três pedras: “Sob o domínio dos reis cristãos, antes que os mouros a tomassem, num lugar junto da cidade e que se chama Campolide, venerava-se a memória dos três mártires: Veríssimo, Máxima e Júlia, virgem, de cuja igreja totalmente arrasada pelos mouros restam ainda somente três pedras como lembrança da sua destruição, as quais nunca dali puderam ser retiradas. A respeito delas dizem alguns que são altares; outros, porém, afirmam que são pedras tumulares.”[1]

Os Mártires de Santos constituem um dos cultos mais antigos da cidade e do país, sendo mencionados nos martirológios de Floro e Usardo (hagiógrafo carolíngeo), o último escrito entre 850 e 865: “Apud provinciam Lusitaniam, ciutate Olixpona sanctorum martyrum Verissimi, Maximae et Juliae sororum”. Também o denominado Calendário de Cordova , de 961, refere o martírio de Santa Júlia e de seus companheiros de Lisboa. Em várias localidades do território que hoje é Portugal, veneravam-se os Santos Mártires, como o atestam vários documentos: um antigo testemunho do ano de 927, associado à igreja de Arazede no condado de Coimbra, na data em que esta foi trocada pelo seu proprietário – o presbítero Ataúlfo – pela igreja de Outil, propriedade do presbítero Crescónio, faz deles referência; a igreja de S. Veríssimo, em Gondezende, é escolhida em 999, como local de reunião de uma assembleia judicial, para que se proceda ao juramento das partes e à posterior confirmação dos direitos de posse dos monges representados pelo abade Gonta, num conflito litigioso a propósito da vila de Soutelo. Parece assim, que as relíquias de Santo Veríssimo serviam para proferir os juramentos que solenizavam os actos de alienação e transferência de direitos patrimoniais. O seu culto encontra-se atestado em vários calendários moçárabes do séc. XI, nos anos de 1039, 1052, 1066, 1067 e 1072, com referência a festas no dia 1 de Outubro[2].

 Na Rua das Madres, na Madragoa, foi encontrada, quando se abriam fundações para a construção de um prédio em 1962, uma estela funerária embebida numa antiga parede. Dadas as características da inscrição nela contida, foi datada como pertencente muito provavelmente ao fim do XII. Se bem que a sua presença em Santos-o-Velho não possa provar em absoluto a existência de uma comunidade muçulmana no local, pois poderia ter sido deslocada da sua posição inicial, é certo que alguns historiadores mantêm a hipótese da ocupação islâmica na freguesia de Santos-o-Velho, relacionando-a com um pequeno núcleo populacional associado à faina do rio, neste arrabalde da antiga cidade moura.[3]

Estela muçulmana do séc. XII - Museu da Cidade





[1] Autor desconhecido, A Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147 – Carta de um cruzado inglês, 2ª ed.; Livros Horizonte, 2004, pg. 33
[2] Mário  de Gouveia, Lisboa Medieval – os rostos da cidade, ed. Livros Horizonte, 2007, p. 388-389
[3] Carlos Guardado da Silva, Lisboa Medieval, 2ª Ed. ed. Colibri, 2010, pg. 85

OS HOSPITAIS MEDIEVAIS DE LISBOA - Hospital de São Pedro Mártir


Ligado aos corretores, estava este hospital localizado na Rua de São Pedro Mártir, freguesia de Santa Justa à Mouraria; é dos poucos sobre os quais se conhecem as dimensões exactas, medindo 11,73 m x 9,53 m. Foi incorporado no Hospital Real de Todos-os-Santos.[1] Temos conhecimento da sua extinção por um documento de emprazamento, realizado no ano de 1503, do edifício “do hospital que foi de São Pedro Martel, na Rua de São Pedro Martel, Freguesia de Santa Justa” a Gomes Anes, escudeiro e corretor, e sua mulher Isabel Luís, pela importância de “600 reais e duas galinhas”.[2]


[1] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 10-11
[2] Arquivo Nacional Torre do Tombo, Chancelaria de D. Manuel I, liv. 2, PT/TT/CHR/K/22/40-196, em http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=3868027