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sábado, 25 de outubro de 2014

GAFARIAS DE LISBOA - Gafaria de S. Lázaro

Provavelmente anterior à fundação da nacionalidade, sem que seja possível confirmação documental deste facto, já dela existe referência em 1220 (não documentada); documento certo é o testamento de Ousenda Leonardes, datado de 1325, que contempla 20 soldos para os gafos de S. Lázaro[1]. Damião de Góis localiza, sem denominação própria, uma gafaria entre o campo de Santana e a Mouraria, perto de um campo de pastagem e da feira do gado.[2]
Ignora-se também a responsabilidade da sua fundação. Presume-se que se situava no Poio de S. Lázaro, na encosta que subia da Mouraria para o Campo do Curral (mais tarde Campo de Santana); encontrando-se no exterior da muralha de D. Fernando, é possível que tenha recebido os gafos dos Mártires, quando esta gafaria foi abrangida por aquela terceira muralha de Lisboa.[3] A localização desta gafaria é, no entanto, algo controversa, uma vez que se confunde nos documentos com a dos Mártires, desconhecendo-se se existiram ambas ou se uma deu lugar à outra.[4]
Era administrada por um provedor ou vedor, eleito entre os vereadores por um período de um ano, ao qual competia guardar as chaves da arca das escrituras e a chave da arca dos ornamentos e outros objectos de valor, supervisionar as propriedades da Casa, averiguar as razões das contendas, escolher o pessoal doméstico, avaliar e fazer assentar os bens dos enfermos, constranger os doentes que se recusassem entrar na gafaria, executar sentenças e gerir esmolas; o provedor contava com a ajuda de um escrivão, que guardava a segunda chave da arca das escrituras, supervisionando também as propriedades; existia ainda um capelão que era escolhido e pago pela cidade, tendo as funções de dizer missa três vezes por semana.[5]
Os rendimentos para o seu funcionamento provinham de propriedades doadas à gafaria e àquelas pertencentes aos gafos que nela faleciam, as quais revertiam para a Casa; sabe-se que possuía uma adega localizada junto à Portagem (perto da actual igreja da Conceição Velha);[6] segundo o regimento datado de 1460, cada morador de Lisboa e do seu termo deveria oferecer aos leprosos um real por ano, provindo assim ajuda para o respectivo sustento.[7]
Sabe-se que na Gafaria de S. Lázaro existia uma ermida ou igreja de S. Lázaro, um alpendre onde os gafos se reuniam com as pessoas de fora, um celeiro, a casa do provedor e casas para os doentes.  As casas dos gafos, mandadas construir por D. Manuel em 1503, eram térreas, medindo 12 palmos por 15 e possuíam chaminé e alpendre. Do aglomerado faziam ainda parte as casas para mancebas, exteriores à propriedade mas junto à porta; as mancebas não eram leprosas e tinham como tarefa responsabilizar-se pelas tarefas domésticas da gafaria.[8]
Continuou o funcionamento desta leprosaria até 1551, encontrando-se referenciada no Sumário: “A Ermida de são Lázaro está na Freguesia de santa justa. Há nesta ermida três confrarias, ou seja, a de são Lázaro, a de santa Marta, e a de Nossa Senhora. Valem as esmolas delas sessenta cruzados. Nesta casa se curam e mantêm os gafos.”[9] Parece ter funcionado independente até finais do século XIX.[10] Ignoro se a gafaria deu lugar ao denominado Hospital de São Lázaro ou se este último se trata de outra instituição fundada mais tardiamente, que se encontra referenciada como pertencente à freguesia de Santa Justa e como tendo sobrevivido ao grande terramoto.[11]





[1] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 76-77
[2] Damião de Góis, Descrição da Cidade de Lisboa, 2ª ed., Livros Horizonte, 2001, p. 44
[3] Fernando da Silva Correia, Os Velhos Hospitais da Lisboa Antiga, Revista Municipal nº 10, Câmara Municipal de Lisboa, 1941, p. 12
[4] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 79
[5] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 86
[6] Vieira da Silva, As Muralhas da Ribeira de Lisboa, 2ª ed., Vol. I, Câmara Municipal de Lisboa, 1940, p. 195
[7] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 91
[8] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 93
[9] Cristóvão Rodrigues de Oliveira, Lisboa em 1551 - Sumário (em que brevemente se contêm algumas coisas assim eclesiásticas como seculares que há na cidade de Lisboa), Livros Horizonte, 1987, p. 54
[10] Rita Luis Sampaio da Nóvoa, A Casa de São Lázaro de Lisboa – Contributos para uma história das atitudes face à Doença (sécs. XIV – XV), dissertação de mestrado em história medieval, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2010, p. 79
[11] Paróquias da Baixa-Chiado, Memórias de Uma Cidade Destruída, Alètheia Editores, 2005, p. 165